A sonoridade dos pingos de chuva, puros e isentos
de qualquer forma predefinida, contrastavam com as músicas de natal das quais
somos alvo nesta época, quer vinda das lojas que anseiam desesperadamente só
por mais um cêntimo ou do grupo da igreja, que percorre o mundo se for preciso,
desejando que uma alma caridosa doe um pouco de pão ou algo do género que possa
diminuir o estômago roncador de muitas almas solitárias.
As árvores apresentavam-se despidas, somente com
uma ou outra folha amarela ou vermelha, que exibiam com o maior orgulho. O céu
estava carregado de estrelas- cena improvável quando chove, pois as nuvens
costumam vencer o brilho e a beleza daqueles astros que aos nossos olhos parecem
insignificantes no universo.
No entanto, aquele fenómeno improvável ocorreu naquela noite. Aquela
noite de Natal foi diferente de todas as outras. Não só pelo esplendor daquele
fenómeno observável e lindo a quem saia à rua e olhava para o céu infinito,
como também pelo impacto que teve na minha vida.
Eu era uma advogada bem-sucedida na carreira, não
tanto no AMOR. Sim, AMOR com letras grandes. Porque não falo daqueles amores
pequeninos, que viraram moda nos nossos dias, que juntam pessoas pelo dinheiro,
pela profissão ou pela cor dos olhos. Falo sim naquele AMOR que ao que parece
desapareceu sem se despedir de quem cá ficou; um AMOR incondicional, marcado
por grandes provas de entrega e acima de tudo de lealdade.
Nunca fui muito dada aos outros, sempre fui mais de
olhar só para mim! Talvez esta má prática tenha crescido comigo desde os
primórdios da minha vida. Na verdade, limitei-me a seguir o que observava à
minha volta: um pai empresário que raramente parava em casa; uma mãe excêntrica
dada a luxos meramente para reunir o maior número de falsas amigas… Na verdade,
uma família que não o era. Costumava dizer que vivia num grupo de pessoas que
se juntou para tirar o maior proveito dos outros, neste caso, dinheiro.
Para mim, não existiam datas festivas. Até porque
não tinha com quem festejar. Ter pessoas especiais na minha vida era algo muito
inconstante e invulgar. As noites de Natal, de Ano Novo, de Aniversário nunca
se assumiram como dias especial. Estes eram passados no escritório ou em casa a
ver filmes e a comer pipocas, com as quais tento me deliciava.
Só que naquela noite, aquela noite que já vós
falei, decidi mudar. Não falo em fazer um penteado novo ou comprar umas roupas
menos velhas que as anteriores. Falo sim, em transformar-me, em moldar o meu
ser, de acordo com a pessoa que sempre quis ser.
Resolvi que iria sair de casa, que iria percorrer a rua e deixar-me a
mercê do que aquela noite me poderia trazer.
Despi a máscara, e caminhei.
Caminhei sentindo o duro chão que pisava, e
respirando todo o ar que conseguia depositar nos meus pulmões.
Ao longe da rua avistei um grupo de vultos que, à
medida que caminhava, se tornava mais nítido. Tratava-se do grupo da igreja
cantando para os sem- abrigo. Fiquei a observar, por momentos, não sabia se na
minha cara continha lágrimas ou pingos de chuva, na medida em que estes se
confundiam com as minhas emoções.
Esperei que estes pequenos cantores, mas que na
verdade são verdadeiros heróis partissem para junto das suas famílias de sangue
para que eu me juntasse àquela que viria a ser a minha família de coração.
Aproximei-me deles que me receberam com um “Boa
noite” ligeiramente apático. Não estranhei. Que mais poderia eu esperar? Que me
oferecessem a refeição que não tinham?
Sabia que no meio deles, as pessoas como eu, cheias de dinheiro mas
com um coração vazio, não eram bem vistas e não era para menos. Quantas vezes
passei eu carregada de dinheiro dos pés à cabeça, junto deles sem nem um
sorriso expressar?
Todavia, eles foram o que aquela noite me traçou.
Foram os impulsionadores da minha mudança e os meus pequenos grandes heróis que
me salvaram de um caminho tenebroso e sem estrelas brilhantes, como aquelas que
iluminaram a minha primeira noite de Natal, para iluminarem a minha caminhada.
Hoje, larguei os luxos e despi a máscara que me
prendia a algo que não me pertencia.
Continuo a ser advogada, mas com uma pequena particularidade, ajudo
quem não tem milhares de euros para me pagar.
Por isso digo-te:
Vai! Corre! Grita ao mundo o que sentes… Despe essa
máscara e elabora tu a tua própria peça.
Sê feliz, com tudo ou com pouco. Mas lembra-te que
às vezes ter muito é ter pouco e ter pouco é ter muito.
Sorri, mas chora! Porque as tuas lágrimas são o
espelho da tua alma, e sem te mostrares ninguém saberá aquilo que és! Nem mesmo
tu!
Inês Gonçalves
Sem comentários:
Enviar um comentário