domingo, 25 de janeiro de 2015

O teto cinzento


Entro para o carro. Para o banco de trás como sempre. E estou tão dominada pelo sono que simplesmente me deito, ocupando todo o banco com o meu corpo. Olho para cima e tudo o que vejo é um teto cinzento escuro com duas janelas nas pontas, uma de cada lado. É por elas que entra uma luz de presença, tão suave, mas tão brilhante ao mesmo tempo, que me deixa ver o céu estrelado.
Mas é nesta escuridão que tudo fica mais claro. Este sono que invade o meu corpo faz-me sentir de outra forma. E o respirar é tão profundo que é como se limpasse o que está de mau dentro de mim. A minha mente, que normalmente está a mil à hora, pensa num turbilhão de perguntas para as quais tenho de encontrar respostas. Agora isso não acontece, agora a minha mente é como se fosse um jogo. Não no sentido em que se ganha ou se perde, ou seja, encontro a resposta que procuro ou não. Nem é um jogo no sentido que, eventualmente, vai acabar. É, sim, na maneira que eu sinto que posso alterar a minha mente. Eu é que estou a controlar e eu é que decido se quero ir para norte ou para sul, se quero parar ou saltar para o desconhecido. A minha mente está completamente aberta.
Estou assim, impávida e serena, no banco de trás do meu carro a olhar para o teto cinzento e para as estrelas que brilham ao luar, a pensar em tudo e em nada, quando a voz dele me fala. Sim, ele, que vai no banco da frente a conduzir o carro para me levar ao sítio onde eu mais quero chegar: a minha cama! Porque este sono continua a consumir o meu interior. Ele diz algo, nem sei o quê, pois simplesmente não percebe que eu não estou lá, que estou verdadeiramente num lugar mágico onde controlo toda a minha mente. Por isso, ignoro, continuo no meu mundo a viajar. Penso em tudo, penso nas coisas mais importantes da minha vida, penso nas pessoas. Consigo ver a minha vida como se fosse um filme: volto atrás, ponho em pausa para reparar nalgum pormenor, de seguida volto a carregar no play. Toda uma nova perspetiva me surge. Consigo analisar situações mais calmamente, sem pressão, sem stress. Mesmo sem procurar, as respostas a todas as minha perguntas aparecem, sem mais nem menos.
Nisto, sinto o carro a abrandar. A velocidade vai baixando pouco a pouco até que finalmente para.
- Chegámos. - diz ele.
Mas eu não quero… eu não quero voltar ao normal. Prefiro ficar assim para sempre, deitada no banco de trás do carro.


Rita Gonçalves

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