terça-feira, 3 de março de 2015

[Palavras: criança - cidade - chave - espetáculo]

Tudo o que vi na minha vida foi este teatro. Ainda bem que a minha vida ainda é pequena… tenho, apenas, 5 anos. Espera, estou a mentir. Uma vez, deixei-me ficar à espreita no final do espetáculo e por milagre, um alguém abriu a porta grande e por uns meros, mas espantosos milésimos de segundo, tive um vislumbre de como é a vida fora deste lugar, a vida da cidade.
Até que ela me viu. Tentei esconder-me, mas já era tarde de mais. E ao ouvir os passos a aproximarem-se, sentia o meu coração a bater mais depressa e tentava pensar o que é que lhe ia dizer. Até que os passos pararam e ela estava mesmo à minha frente. O que me saiu no momento foi:
- Mãe, desculpa!
Foi a primeira vez que lhe chamei aquilo. Ao contrário de todos os outros meninos que já estavam habituados, eu não conseguia. Para que é que lhe ia chamar mãe, se eu nunca tive uma mãe para saber como é?... Ao ouvir as minhas palavras, simplesmente respondeu:
- Está bem, vai lá! Só não o voltes a fazer.
Baixei a cabeça e saí, mas não consegui evitar ouvi-la a chorar. Esse momento vai ficar para sempre na minha memória.
Mas eu gostava muito de ver o que há mais no mundo. Havia uma televisão que eles nos deixavam ver uma hora por semana. Às vezes apareciam coisas más, mas as coisas boas também eram tantas! Animais tão lindos, lugares que eu adoraria visitar. Já desde há dois anos que faço o meu espetáculo e ver as pessoas encantadas com a minha voz é muito bom. Mas eu queria mais, eu quero mais. Por isso, o espetáculo de hoje vai ser o último. No meio de tantas portas que há no teatro, consegui encontrar uma que não fecha muito bem e se me esforçar um pouco conseguirei abri-la…
Mais tarde, quando ouvi a som dos aplausos tive uma sensação de alívio e de felicidade. Estava ansioso para ver o mundo lá fora.
Já era tarde… já depois dela vir desejar uma boa noite a mim e aos outros, ouvi a última luz do teatro a apagar-se e soube que era o momento. Agarrei a oportunidade e quando cheguei ao pé da porta, ganhei coragem e abri-a.
Para mim, tudo era novo: o movimento, a multidão das pessoas, a quantidade de carros, os prédios que pareciam chegar ao céu… Um sentimento de curiosidade percorreu o meu corpo tão depressa e tão fortemente como o sangue e comecei a explorar. Tudo era lindo e só desejava ter saído daquele teatro há mais tempo!
Até que umas ruas mais abaixo, vi um poster. Mas não era um poster qualquer. Olhava para ele e para o vidro de uma loja que servia de espelho e percebi que era igual... Estava lá um menino igual a mim. Mas o que mais me marcou foi o que estava lá escrito: «A voz deste menino é a chave do espetáculo, que vai abrir o seu coração.»
Hesito, mas tenho muito mais para descobrir… e não posso voltar atrás.

Rita Gonçalves

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